Descobri a casa dos meus sonhos, entre as montanhas e a sutil neblina que a cerca, na cidade que desde pequena sonhei morar, conheci o meu amor e decidi; é com ele que vou ficar.
Era uma casa grande, daquelas que você prepara um almoço cheiroso para as pessoas queridas da sua vida num domingo, onde os bichinhos correm soltos e se esfregam na grama até não poder mais, onde tem uma rede para fazer a sesta. E quando a tarde de sol chega, a casa se colore de laranja, daquele solzinho que dá um sono...É aquela casa que durante a noite não se assiste a novela das oito e nenhuma notícia de chacina, e sim se esquenta a água para um café quentinho para terminar de ler um bom livro enquanto o único barulho da casa é o do vento lá fora ou da galinha cantando fora de hora. Não faz mal, galinha, pode cantar que eu adoro te ouvir.
Não era só esse mar de rosas, a casa também dava problema. Era um cano ali, um bando de cupim safado tentando ser feliz, a piscina cheia de folha, a minha horta por fazer e as infiltrações do banheiro. Fazia parte do viver, sem esses incômodos não teria tanta graça ter uma casa, até porque ter uma casa é sinônimo de querer cuidar, e querer muito. Não é um apartamento que você abre a porta e está tudo pronto, é uma casa. Uma casa que te acolhe se você acolhê-la também. Apartamento não, você vive trancado, observa a vida dos outros pela janela do quarto, escuta os vizinhos de cima fazendo sexo enquanto estuda, tem horário para fazer barulho, o porteiro sabe de tudo da sua vida e há dez anos que você mora no prédio você mal sabe o nome do seu vizinho.
Ela ficava um pouco longe do centro da cidade, mas valia a pena, assim que eu saía do trabalho, eu passava na padaria do Francisco e comprava quatro pães, presunto, queijo e um bolo de cenoura. Ia para casa as vezes mais cedo e as vezes mais tarde, mas o melhor é quando eu chegava a tempo de ver o sol se pôr. Como é lindo ver aquele laranja fogo queimando o céu, avisando que amanhã ele volta e que no momento ele precisa\iluminar outros cantos e daqui a pouquinho a lua chega.
Tinha dia que o frio ficava forte e o vento lá fora cantava bem alto. A neblina das 16h costumava passar diariamente lá em casa enquanto eu preparava os pães de queijo. O gato fica maluco quando ela passa, ele fica observando, miando e de vez em quando ele pula para alcançar. Essa neurose felina é tão humana.
Tenho uma horta, um galo e uma galinha. A noite o galo bate as asas, sai correndo e canta bem alto, e aí nós caimos na gargalhada, porque, de fato, é engraçado todo esse ritual.
Eu saio para trabalhar cedo e ele também, eu trabalho por aqui e ele tem que descer a serra para ir pro Rio, eu volto mais cedo porque trabalho com a minha cafeteria e ele depende, é de acordo com o trânsito, mas tem dia que ele resolve trabalhar em casa junto com o Freud, o gato fissurado em neblina. Quando chego em casa está o gato em cima do piano dormindo e ele lá fazendo não sei o que com um tanto de fio, partitura e parafernalha na mesa.
A gente teve sorte em achar essa casa, fica bem no alto, faz frio, tem um tanto de árvore, tem montanha por todo o canto e quando o céu está limpo parece que a estrela está bem pertinho da gente, a gente apaga as luzes do quintal, estende a manta, pega o cobertor e deita. Como não tem a luz da cidade, dá para enxergar um tantão de estrelas. O Freud folgado deita conosco também e enquanto a novela das oito enche lá o saco de alguém, eu me divirto contemplando as estrelas lá fora com os meus dois amores.
Eu me pergunto por que as pessoas precisam de tanto, de se entupirem de tanta inutilidade, de perderem o tempo escutando desgraça, esquecendo de dar bom dia, de saber o seu nome, de pedir por favor, esquecendo de serem humanas. Acharem que é idiotice contemplar uma pobre estrela no céu, que é perda de tempo fazer tal curso porque não dá dinheiro, que se não for passar em concurso público, não presta qualquer outro ofício, que o que presta mesmo é ser capacho mesmo. Freud diz que não, e se ele diz, eu vou com ele.
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