segunda-feira, 3 de maio de 2010

Negros olhos

Com Hélio
Quando o vento entra pela janela, eu me arrepio. A solidão daqui é tão cruel, onde você está? Foi comprar cigarros mas nem fumava. E todos aqueles sonhos nossos? Estão empacotados entre os livros velhos e a caixa de vinis do meu pai. Bóris me olha com seus olhos de gato, ele sabe. Acho que se ele falasse, até diria porque você se foi.

Talvez porque eu discutia com você por ter tanto ciúme, por ter tanto medo de um dia te perder. E agora esse medo me consumiu. Talvez fosse apenas uma daquelas histórias de que eu estava com medo e você me dava segurança. Na verdade, o medo é a única certeza da minha vida. Mas é que sem medo eu não faço as coisas. Sem o medo de fracassar, eu nunca teria mudado de cidade, de vida, de amores. Eu não seria nada sem meu medo.

Agora estou aqui, neste apartamento gélido, onde a outra metade da cama é incapaz de ocupar um vestígio seu. Nem o Bóris insiste em espreguiçar todo aquele corpo gordo e peludo no edredom, e isso é impressionante. O clima é pesado, sua ausência me causa um aperto desconhecido, se é paixão eu não sei.

Se foi paixão eu até duvido, mas que foi muita coragem, ah isso foi.

Os minutos passam e não me canso de olhar para o celular, ainda espero um retorno seu, uma mensagem, um toque por engano. Fico pensando o que você recorda de mim, será que fui o bastante para o seu amor? Me indago até chegar a respostas, mas não são respostas, eu continuo em dúvida. E pela primeira vez, choro por alguém.

Quando o vento passa na sala, eu guardo todas as minhas lembranças e perguntas e coloco ali na caixa que eu vou deixar, quando eu partir. De você, só levo uma caneca linda e um livro de Burroughs, sobre gatos. E Boris, é claro, porque sem seus olhos eu teria muito medo de viver.

Um comentário:

  1. Daqui a pouco sai um livro conjunto. Será que rola? Ideias, ideias...

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